A MÚSICA E O NADA

As duas músicas abaixo, uma dos Tribalistas e outra de Zeca Baleiro, mostram o que se tem chamado de pós-modernismo. Não temos clareza a respeito do pós-modernismo, uma vez que muito se ouve falar deste tema na universidade mas há pouco estudo sistemático.

Entretanto, para analisarmos as letras das músicas em questão, é preciso saber que este que escreve entende a pós-modernidade como uma época em que as pessoas estão esgotadas de teorias para ter um mundo mais justo, passando a viver interessadas unicamente em seu próprio bem-estar, alheias aos idealismos.

Na pós-modernidade o egoísmo impera, as pessoas vivem num "salve-se quem puder", e então estas tendências estão expostas nas letras aqui analisadas. Baleiro diz: "minha tribo sou eu"; Tribalistas dizem: "não tem que fazer nada basta ser o que se é". Os Tribalistas também fazem um jogo de palavras sugerindo o "nada": "Chegou o tribalismo, mão no teto e chão no pé"; este "nada", este "non-sense", parece ser característica da pós-modernidade. É o esgotamento do dizer. "Não há mais nada para ser dito", dizem os pós-modernistas ao estilo "Bananeira", de João Donato.

A diferenciação entre "Minha tribo sou eu" e a música analisada dos Tribalistas está na forma como a letra foi construída, porque a mensagem de uma é a mesma da outra: "vivemos o pós-modernismo".

LETRAS

Tribalistas
(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte)

Tríade, trinômio, trindade, trímero, triângulo, trio / Trinca, três, terno, triplo, tríplice, tripé, tribo / Os tribalistas já não querem ter razão / Não querem ter certeza / Não querem ter juízo nem religião / Os tribalistas já não entram em questão / Não entram em doutrina, em fofoca ou discussão / Chegou o tribalismo no pilar da construção / Fé em Deus e Pé na Taba / Fé em Deus e Pé na Taba / Um dia já fui chimpanzé / Agora eu ando só com o pé / Dois homens e uma mulher / Arnaldo, Carlinhos e Zé / Os tribalistas saudosistas do futuro / Abusam do colírio e dos óculos escuros / São turistas assim como você e seu vizinho / Dentro da placenta do planeta azulzinho / Fé em Deus e Pé na Taba / Fé em Deus e Pé na Taba / Um dia já fui chimpanzé / Agora eu ando só com o pé / Dois homens e uma mulher / Arnaldo, Carlinhos e Zé / Dois homens e uma mulher / Arnaldo, Carlinhos e Zé / Um dia já fui chimpanzé / Agora eu ando só com o pé / Fé em Deus e Pé na Taba / Fé em Deus e Pé na Taba / O tribalismo é um anti-movimento / Que vai se desintegrar no próximo momento / O tribalismo pode ser e deve ser o que você quiser / Não tem que fazer nada basta ser o que se é / Chegou o tribalismo, mão no teto e chão no pé

Minha Tribo Sou Eu
(Zeca Baleiro)

eu não sou cristão / eu não sou ateu / não sou japa não sou ticano não sou europeu / eu não sou negão eu não sou judeu / não sou do samba nem sou do rock / minha tribo sou eu / eu não sou playboy eu não sou plebeu / não sou hip hight skin head nazi farizeu / a terra se move falou Galileu / não sou maluco nem sou careta / minha tribo sou eu / ai ai ai ai ai / ié ié ié ié ié / pobre de quem não é cacique / nem nunca vai ser pajé

Comentários

O pós-modernismo veio pra ficar? É passageiro? Motorista? Cobrador? Seja lá qual o seu destino, o certo é que precisamos entender oq, afinal de contas, é isso?
A construção da sociedade em questão: baseada na derrota do coletivo para o individuo, num fim da história, que diz que o homem alcançou seu último estágio de organização social, econômica, política e etc. E você como bom entendedor de música ta ai, clocando teu dedo na ferida, ou naum (têm coisa mais pós-moderna q esse "ou naum"?)
Anônimo disse…
Interpretar música é uma tarefa complexa, pois todos que escrevem uma música passam uma mensagem, no entanto, nós a interpretaremos de acordo com nossas experiências vividas. Compreendo que existe uma margem entre o que a música quer dizer e a forma como a interpretamos, além do mais as músicas são determinadas pelo espaço e o tempo.

A primeira vez que ouvi “Minha tribo sou eu”, me perguntei se música afirma que é sua própria tribo está afirmando que é individualista ou tem sua individualidade?

Quando ouvi a música dos tribalistas pensei: será que quando eles afirmam que “Não tem que fazer nada basta ser o que se é”, estão defendendo a idéia que devemos ser o que somos e não seguirmos estereótipos?

Escutei novamente as duas músicas e resolvi entende-las como um todo. Em minha opinião a duas músicas passam uma idéia de pós-modernidade porque descrevem a constante mutação, o não posicionamento (não sou do samba nem sou do rock / minha tribo sou eu / eu não sou playboy eu não sou plebeu), e da neutralidade (Não entram em doutrina, em fofoca ou discussão), da fragmentação (é um anti-movimento /Que vai se desintegrar no próximo momento), os compositores estão retratando o mundo atual e reproduzem as idéias pós-modernas.

Pergunto: Blog é pós-moderno, ele reforça a idéia do tribalismo? Contribui para reprodução das idéias pós-modernas ou depende da forma como é utilizado?
Unknown disse…
Como fugir da pós-modernidade?
Talvez seja fácil responder, mas difícil praticar.
Anônimo disse…
Vejo que há muitas perguntas e poucas respostas…

O pós-modernismo é totalmente negativo ou tem sem lado positivo?

Primeiro não existe nada permanente, a história da humanidade sofre constantemente mudanças, vivemos em um processo dialético “nada do que foi será igual ao que a gente viu a um segundo, tudo mundo o tempo todo no mundo”. Ela não está relacionada com o nada, o nada não existe tudo tem razão de ser, as músicas estão inseridas em um contexto social, político e econômico e podem negá-lo ou reforçá-lo. Dá para dissociar neoliberalismo e pós-modernismo?
Tudo é muito contraditório, ficamos cada vez mais individualistas e ao mesmo tempo vivemos em um mudo cada vez mais globalizado, nos isolamos em quartos com nossos computadores mas, estamos conectados a pessoas de vários lugares. Existem movimentos e manifestações pela internet, podemos trocar idéias e discutir em fóruns de comunidades virtuais, existem possibilidades de lutas. Não podemos evitá-la nem impedi-la, podemos usá-la para os fins desejáveis, além do mais é impossível não ser contaminados pela pós-modernidade vivemos em sociedade mesmo que sejamos individualistas, estamos todos interligados virtual, social e economicamente.
Anônimo disse…
Sempre que ouvia essas canções que tratam do "eu..eu..eu", olhava mais sob o ponto de vista da individualidade, daquele lance de 'auto-descoberta', de reflexos e tudo mais, de dizer "putz, essa música tem tudo a ver comiiiigo". Deve ser bem por aí que mora o perigo, porque é exatamente esse eu-lírico todo que, se formos considerar como uma regra para uma determinada época (no caso a 'pós-modernidade'), acaba se tornando um ciclinho egoísta mesmo...Mas nesses casos (de músicas do tipo 'meuuu infinito particular...', rs), acaba rolando um efeito oposto, porque se você conhece alguém que se identifica com a mesma música que você, logo logo vem a compreensão de que, até na individualidade, todos andam tendo a mesma percepção de auto-conhecimento e blablaba (e isso acaba ferindo o ego, de uma certa forma, mas isso é outra historinha..rs)...

Mas sei lá, na minha pobreee opinião, isso só deveria ser considerado negativo se for mesmo uma espécia de ‘era’, e isso não sei se é porque afinal de contas não sou muito conhecedora crítica de música e td mais. Mas acho que essas duas músicas que você exemplificou se encaixam bem mais no que você está falando do que os outros tipos de músicas ‘egoistas’, porque elas não simplesmente dizem ‘eu sou isso, eu sou aquilo’, mas negam abertamente a coletividade (“eu não sou cristão, eu não sou ateu”... “Não entram em doutrina, em fofoca ou discussão”). Acho que são duas coisas diferentes, mas também podem ser farinha do mesmo saco, porque enquanto uma nega, a outra simplesmente despreza, né?
Rita Mendonça disse…
Salomão, em nome do Baque Alagoano vim retribuir a visita.
Obrigada pelos comentários e elogios. São muito importantes para nós, nessa fase do grupo, em que estamos ousando demonstrar o conhecimento que adquirimos.
Aguardamos você em novas apresentações.
E se quiser, sinta-se convidado a integrar nossa lista de discussão, cujo endereço está no blog.
Um forte abraço.
Rita, da comissão de comunicação do Baque.
Anônimo disse…
Olá salomão!!!
Posso dar uma sugestão?
Que tal colocar um texto escrito por outra pessoa, já que sou leitora assídua dos seus textos, gostaria muuuito de ver outras opiniões e maior interacão entre os leitores.

Postagens mais visitadas